No final da década de 90 fui morar num condomínio na região de Santo Amaro, na zona sul da capital paulista. Naquela ocasião, estava com 21 anos de idade e era a primeira vez que moraria em um prédio. Confesso que a experiência foi desafiadora no início e tive que adquirir novos hábitos para me adequar a uma forma diferente de vida: a vida em condomínio.
Passados alguns meses, um fato chamava minha atenção: sempre que eu passava pela portaria encontrava um senhor conversando com o porteiro. Nos finais de semana era comum vê-lo em diferentes horários. Não entendia por qual motivo ele ficava tanto tempo lá. Meu irmão dizia: o “Bigode” tá escorado no balcão, alugando a orelha do porteiro novamente.
Durante algum tempo imaginei tratar-se de um aposentado que passava seu tempo ocioso batendo papo com o funcionário. Porém, seu tom enérgico e imperativo me deixava intrigado e eu sempre me perguntava: por que ele utiliza essa forma autoritária para conversar? Eu ficava imaginando o que aconteceria se todos os moradores ficassem passando ordens aos porteiros tal qual ele fazia. Isso sem falar no tempo que ele desviava a atenção do porteiro.
Ele nunca me cumprimentou e, por essa razão particular, eu não gostava dele. Tínhamos no edifício dois elevadores e sempre que um morador entrava, ele fazia questão de esperar o próximo. Fez isso comigo algumas vezes.
Numa certa ocasião o “Bigode” esbravejava na portaria. As crianças estavam na quadra, num horário que, segundo ele, não era apropriado. Perguntava indignado onde estavam os pais daqueles desordeiros, pois passava das 22 horas e eles não poderiam estar jogando bola.
Dizia que o local estava “se transformando numa verdadeira zona” e que o porteiro teria que dar jeito naquela situação.
Presenciei a cena quando chegava da faculdade, enquanto me dirigia ao elevador. Passado um instante, lá estava ele ao meu lado, sem me cumprimentar, claro. Como de costume, chamou o outro elevador. Dessa vez, porém, assim que o elevador chegou eu não entrei. Ele ficou me olhando e então eu disse: o senhor pode ir, eu espero o outro. Assim que ele subiu voltei até a portaria, queria saber quem era aquele desocupado que passava boa parte do tempo falando no ouvido do porteiro. Naquela noite descobri que existia a figura do síndico.
Síndico precisa ser autoritário para administrar o condomínio?
Morei algum tempo nesse condomínio e como o mandato tinha duração de um ano, tive a oportunidade de conhecer vários outros síndicos. Impressionou-me constatar que o comportamento de cada um deles despertava nos condôminos atitudes semelhantes, ou seja, os condôminos devolviam aquilo que o síndico entregava. Não existia cordialidade quando o síndico era autoritário. As assembleias eram verdadeiros palcos de batalha e ganhava quem tinha a língua mais ferina. Por outro lado, a gentileza no trato com as pessoas sempre delineava um mandato bem sucedido.
Aprendi, com o passar dos anos, que o sucesso nessa atividade depende exclusivamente do reconhecimento pelos outros e não da simples ocupação do cargo. Quero dizer que o síndico precisa ser identificado como tal pelo condômino.
O comportamento autoritário certamente despertará em sua memória a figura daquele péssimo chefe que um dia ele teve ou ainda tem, do professor que gritava em sala de aula, ou do pai que sempre agiu como “xerife”. A rispidez nesses casos será utilizada pelo condômino como mecanismo de defesa. Isso, aliás, é involuntário. Poucos não se rebelam diante de uma gestão tão árida e déspota.
É um erro esperar que os condôminos respeitem as regras por temor à pessoa do síndico.
A boa gestão será reconhecida pela capacidade de liderar
O síndico precisa ser aceito pelo condômino e, ao meu ver, o ponto de partida para essa anuência é saber com clareza como se comporta um líder, pois o síndico será reconhecido por sua capacidade de liderar.
Nossas experiências do cotidiano são suficientes para respondermos o que é um líder, sem a necessidade de consulta aos manuais que tratam do assunto, ou seja, a percepção de liderança vem através da vivência e da observação.
E ao desempenharmos atividades que envolvam público heterogêneo, devemos nos ater ao conhecimento do homem médio, ou seja, à ideia geral sobre determinado tema. No nosso caso, importa saber o que se espera de um síndico que exerce o papel de líder.
Eu poderia listar diversos comportamentos, todos eles baseados na experiência cotidiana e certamente você concordaria comigo, mas vou citar apenas alguns.
Ninguém reconhece como líder, por exemplo, aquele síndico que participa de confusões, pois ele é justamente o responsável por dirimi-las; tampouco aquele que não possui trato na comunicação, uma vez que a cordialidade é o mínimo que se espera dessa figura.
Líderes passam credibilidade quando são assertivos. Condôminos não gostam de longos discursos sobre ordem e moralidade. Eles esperam que o síndico simplesmente faça cumprir o regulamento interno e a convenção, mas sempre com a sensibilidade e prudência que norteiam as ações de um líder e não com a paixão que conduz as decisões de um pai ou com a autoridade abusiva, que é exercida pelo chefe (do século passado).
De fato, só aprendi que existia a função de síndico, naquela noite, quando fui perguntar ao porteiro quem era aquele senhor. Mas o que era um líder eu sempre soube, só não o reconheci no “Bigode” e acredito que os demais condôminos também não reconheciam.
E você? Qual perfil de liderança costuma exercer? Ou então, qual tipo de gestão você espera de seu síndico?
Davi Silva
Davi Silva é advogado, professor universitário e síndico profissional.