Você sabe de onde vem a expressão “meter no pau”? Já ouviu alguém dizer que iria meter alguém no pau para cobrar seu crédito?
Por mais deselegante que possa parecer, essa expressão surgiu num contexto histórico e ela descreve exatamente o que era feito contra o inadimplente: o credor anotava o seu nome e o valor devido e fixava nos troncos de árvores que encontrasse.
Imagine nos dias atuais, caminhar no parque e ver seu nome grafado nas árvores com a descrição de suas dívidas. Ou então circular no condomínio e se deparar com a relação dos inadimplentes fixada nas áreas comuns e lá no meio encontrar seu nome.
Na verdade, ainda ouvimos relatos de formas vexatórias de cobrança, muito embora isso ocorra com raridade, quando acontece pode gerar grandes transtornos a todos os envolvidos.
Código de Defesa do Consumidor
A mudança de comportamento surge na década de 90, com a inserção do Código de Defesa do Consumidor no nosso sistema jurídico. Outro fator relevante contribuiu para a referida mudança: a internet.
A facilidade de acesso à informação tornou as pessoas mais conhecedoras de seus direitos e anos depois da promulgação do CDC a receita mágica para o fim da cobrança indecorosa, contida na redação do art. 42, já era de conhecimento geral:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Reclamar indenização por constrangimento na forma de cobrança utilizando como fundamento a norma geral do art. 186 ou ainda o art. 927 do Código Civil não era tarefa fácil. O art. 42 do CDC, dentro do contexto, era muito claro.
As cobranças que beiravam o absurdo foram desaparecendo com o passar do tempo. Quem não lembra do credor que se dirigia até a casa do devedor para cobrar? Ou daquela administradora de cartão de crédito que ligava incessantemente para o número de contato deixado no momento de preenchimento da proposta? O número na maioria das vezes era do nosso vizinho ou de um amigo.
Mas nem todas as formas de constrangimento desapareceram e é aí que reside a problemática: o que é constranger?
É preciso ter em mente que a simples cobrança é exercício regular de direito, portanto, não se constitui ameaça avisar que a falta de pagamento implicará na negativação do nome ou na distribuição de ação judicial, tampouco enviar carta “lembrando” o inadimplente do dever de pagar pode ser considerado constrangedor ou ameaçador.
Tratando especificamente do débito condominial, a questão ganha contornos mais complexos, uma vez que o recebimento envolve não apenas o interesse do credor, mas de uma coletividade.
A consequência prática disso é a relativização dos comportamentos considerados constrangedores e na maioria das vezes as questões precisam ser solucionadas na justiça.
Um exemplo muito comum é a cobrança do consumo de água juntamente com a cota condominial.
Hoje, poucos condomínios possuem conta de consumo de água individualizado e a cobrança desse consumo (na maioria das vezes) é feita juntamente com a cota ordinária. Deixando de pagar a cota, o condômino deixa de pagar o próprio consumo de água e não raro o condomínio interrompe esse fornecimento como meio de forçá-lo a pagar o débito.
Negar acesso às áreas comuns é outro método normalmente utilizado para compelir o condômino inadimplente a cumprir suas obrigações.
Há pouco tempo fui procurado por uma síndica para defender seu condomínio numa ação judicial. Ela tinha o hábito de colocar a relação dos inadimplentes num quadro de avisos que ficava dentro do elevador. A medida, segundo ela, tinha o amparo da maioria dos condôminos.
Em um outro caso o condômino foi impedido de utilizar a vaga de garagem. Segundo o síndico, não existiam vagas particulares no prédio, a garagem era de uso comum e condômino inadimplente não tinha direito de usar espaços comuns.
Observem que não estou afirmando que este ou aquele comportamento é certo ou errado. Cada condomínio possui sua própria lógica e não existe modelo comportamental padrão, no entanto, há um consenso sobre o que é necessário para se manter um condomínio saudável e harmonioso e certas medidas podem afastá-lo desse ideal.
A inadimplência de fato prejudica, mas existem meios apropriados de combatê-la e existe a via judicial para compelir o condômino inadimplente a cumprir suas obrigações financeiras.
Os meios alternativos podem ser eficazes, mas também podem trazer consequências indesejáveis ao condomínio. É preciso pensar nisso.
A meu ver, se o condomínio possui uma taxa de inadimplência alta, não é a exposição do condômino que resolverá o problema, tampouco impedi-lo de utilizar os espaços, o que, aliás, do ponto de vista jurídico é incorreto.
Essas medidas, além de não solucionarem efetivamente o problema, criam um ambiente de animosidade, fazendo do condomínio um lugar indesejável para se viver.
Isso significa dizer que o condômino inadimplente pode sim ser “lembrado” de suas obrigações, mas não constrangido. E se a lembrança não alcançar o efeito desejado, o caminho mais efetivo é via judicial.
Mas isso deve ser feito o quanto antes, pois combate-se a inadimplência tratando-a no início e não quando ela foge do controle.
Davi Silva
Davi Silva é advogado, professor universitário e síndico profissional.